quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

trilha do imperador

foto: Camila Pierobon




Dias intensos nos esperavam. Recebemos um convite para conhecer Grajauna, região da Estação Ecológica Juréia-Itatins que possui uma das mais preservadas áreas de mata atlântica do país e habitada pela família do Prado há cerca de 400 anos.


Dezoito quilômetros de areia separam a Estação Ecológica do lugar onde estamos. Existia a possibilidade de fazermos a trajetória a pé, como muitos já fizeram, mas esta idéia foi logo descartada. Todos esses quilômetros de areia mais três horas de caminhada no morro desencorajavam a duas urbanitas acostumadas a carros, ônibus e metrô.


Com Piau no volante fomos enchendo o carro com todos os que subiriam a trilha. É tempo de fazer farinha, a casa da matriarca precisava dos filhos e netos para a atividade. Primeiro Dalva e Pedro, seguidos de Glória e Heber, na areia, Marquinhos.


Era aproximadamente sete e quarenta da manhã, a maré ainda baixava e a possibilidade de atolarmos diminuiu, mas nunca chegou a se extinguir.


Na entrada da Estação nos despedimos de Piau e iniciamos a caminhada. Velozes, as mulheres logo assumiram a ponta e sumiram de nossas vistas, ainda tinham a roça de mandioca.


Os garotos, atenciosos que são, nos faziam companhia e nos mostravam as plantas, insetos, pegavam frutas para provarmos, faziam copos com a folha do caitê demonstrando domínio e conhecimento da natureza de onde nasceram. Já o conhecimento de história, mostravam explicando a origem londrina dos postes de telégrafo que encontrávamos no caminho trazidos na época do império.


Na trilha da verde mata cheiros, sons, cores aguçavam nossos sentidos. Mata fechada, mata aberta, cantos de pássaros, milhares de mosquitos, borboletas, aranhas, umidade, um forte aroma de baunilha, minha maior descoberta, a essência de baunilha vem de uma orquídea encontrada na mata atlântica.


Quarenta minutos e termina a primeira subida, o corpo começa a se acostumar com a caminhada. Descendo, sentíamos o músculo próximo ao joelho. O primeiro descanso, uma parada rápida na cachoeira que estava a vinte metros do mar. Mais duas cachoeiras, a segunda subida, curvas, muitas curvas, a segunda descida, chegamos no Rio Verde. Faltava apenas uma hora de caminhada, mas agora numa estrada reta. No caminho mais mosquitos, frutas e uma cobra que curiosa peguei na mão.
por: Camila Pierobon

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

o fazedor de rabecas

foto: Camila e Fiorela
Caiçara do pé gordinho e chato.

Infância onde hoje é a Estação Ecológica Juréia-Itatins, poucas crianças, muita mata.

Pai aos 21 anos, brincalhão, divertido, zombador; ainda moleque aos 29.

Sério e consciente de sua condição e posição quando se trata das questões políticas locais. Membro da Associação dos Jovens da Juréia desde o início da adolescência.

Fazedor de rabecas. Um cuidadoso e apaixonado fazedor de rabecas. Escolhe minuciosamente a caxeta, o cedro e a canela que só servem se forem cortadas na lua minguante e em meses que não possuam a letra ¨r¨ no nome para que não rachem e não dêem bicho.

Guardador de lendas da Barra do Ribeira e da Juréia. Curioso e atento aos espíritos que passam e algumas vezes movimentam as janelas e portas da oficina.

Também fazedor de viola caiçara e sozinho, observando, aprendeu os ponteios. Compositor de 11 músicas que a timidez impediu de mostrar.

Amante e tocador de fandango.

Cleiton do Prado Carneiro.

por Camila Pierobon

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

da Juréia a Barra do Ribeira

Meados da década de 80: chegada da família do Prado na Barra do Ribeira, violentamente expulsos do sítio onde moravam por uma política de preservação ambiental do governo do Estado de São Paulo que criou a Estação Ecológica Juréia-Itatins.

Motivo da criação da Estação Ecológica: preservação de um trecho de Mata Atlântica, já que 95% da floresta já havia sido destruída. Atitude nobre, não fosse a desconsideração pelas famílias que ali viviam há gerações e que através da agricultura, pesca e caça de subsistência mantiveram o local preservado.

Houve discussões, brigas e lutas das famílias com o governo do Estado que muito sabiamente enfraqueceu a luta dos moradores contratando algumas das pessoas mais articuladas para trabalharem como guardas florestais a favor da política imposta pelo governo.

Jogados nas cidades arredores, alguns literalmente saíram amarrados de suas casas, viviam dificuldades ao se adequarem às novas condições. Não tinham habilidade para a pesca comercial de manjuba, mas tinham que pagar o aluguel. Parte dos homens passou a trabalhar como servente de pedreiro na construção de casas de veraneio e das mulheres como “guardadoras” de casas vazias mantidas pela classe média alucinada pelo consumo de duas ou três semanas por ano no litoral.

Alguns perceberam que estava errado, precisavam então de uma entidade oficial que desse condições para os moradores continuarem defendendo os interesses da população local. A família do Prado funda então a Associação dos Jovens da Juréia tendo melhor força para trabalhar por uma política de preservação e conservação ambiental mais justa e para manter e valorizar elementos simbólicos e materiais da cultura caiçara. Em 2009 a Associação conta com 42 associados, parte destes são ex-moradores da Juréia e parte moradores da Barra do Ribeira, além dos freqüentadores.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

terra e rural

foto: Camila Pierobon



Deliciosa a sensação de partida. Mistura de sonhos, não meu, apenas, mas de inúmeras pessoas que se realizariam nesta viagem, mistura de medos, ânsias, alegrias, tremores estomacais repentinos e flashes imaginários que afloram projetando possibilidades. O que vou encontrar nesta viagem?

Fugir da tradicional Castelo Branco e também da BR-116 foi a primeira escolha. Decidimos pela Raposo Tavares seguida pela SP-139.

Cruzar com pouquíssimos carros e algumas rurais trazia o sentimento infantil de que desbravávamos algo inexplorado. Pelo caminho, que em muitos pontos mal tinha as faixas amarelas, bicicletas, pessoas a caminho de algo, crianças, Serra de Paranapiacaba, acostamento nenhum.

Estrada tortuosa, nos alertava a placa. Terra, serra, árvores, temperatura que muda trazendo um geladinho com sol que reforça o cheiro da mata verde, nos ouvidos: Bethânia. Aroma de uva quando passávamos pelas vinícolas, jardins com hortênsias, pau de São João.

Mata Atlântica, impressão de intocada, Parque Estadual Carlos Botelho, manacás-da-serra, verde, verde samambaias, cigarras, sons-mato, borboletas, cuidado onça parda, bromélias, bicas, mirante, Vale do Ribeira, cachoeira, marias-sem-vergonha, flores brancas, flores vermelhas. Não fossem os dois carros que cruzamos nestes 40 km de terra seríamos os únicos. O bom da imaginação é que logo trabalhou para recuperar esta sensação. Alguns postes de redes de alta tensão que fazia com que eu me lembrasse de momentos da infância perto de meu pai.

Volta o asfalto, volta o calor.

Registros visuais de um tipo rural de vida que resiste sem saber. Plantações manuais, mangueira, vaca, galinha, mais bicicletas, campinho de terra, chapéu, fumo de corda, cachorro seguindo o dono, caixa d'água que vasa, facão, búfalos guiados pela mãe, menina e menino, pai na motocicleta. Rio Iguape sem mata ciliar, plantação de bananeiras.

Sol de fim de tarde que amarela o verde da estrada transpassando as árvores produzindo seqüências rápidas de sol e sombra e sol e sombra e verde-amarelo, uma cor que só existe neste momento do dia.

Jacupiranga, Pariquera-Açu, Iguape, Parque Estadual Campina do Encantado, Barra do Ribeira.

Chegamos.

Camila Pierobon

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009


O BALÃO PODE SER SEU OU SER DO CÉU


Viajo para reviver o passado; viajo para reencontrar o futuro. Os outros lugares são espelhos em negativo. Viajo para reconhecer o pouco que é meu e descobrir o muito que não tenho e não terei.
Adaptado de Ítalo Calvino - As Cidades Invisíveis

O nascimento...

Bauru, 27 de Setembro de 1982
Primavera, balança, Cosme e Damião
No chinês, cachorro
Elemento: ar
Astro regente = Vênus
sol no ponto intermediário do ano astronômico
equilíbrio entre o edifício construído e as forças que lhe preparam a ruína
o dia e a noite
que oscilam entre impulso e concentração
espontaneidade e reflexão
atração e recuo diante da vida
amor, ódio e toda infinidade de sentimentos que existem neste intervalo.
mundo da média, da medida, dos semitons,
das cores suaves, dos matizes
samba, seresta e baião.
criaça que pula berra brinca chora
que canta vitória sobre a complexidade e a ansiedade
inocência
estado anterior ao pecado
tu e eu.
cão guia na noite da morte
guia da alma e dos impérios invisíveis
guardador dos locais sagrados
intercessor entre este mundo e o outro
o que acompanhou o sol durante sua viagem de baixo da terra
tempestade e meteoro
estrondo de trovão e luminosidade de relâmpago
vento e sopro
mundo da expansão
princípio da composição e da frutificação
meio próprio da luz, do alçar voos, do perfume, da cor
das vibrações interplanetárias
liberdade aérea que nunca evapora
dualidade de morte e renascimento
filha da lua
irmã do sol e da deusa dos infernos
sinergia afetiva de sensações sentimentos sensualidade
atraçã, embriaguês, sorriso
impulso de prazer, de diversão, de alegria
de festa na afinidade e na harmonia da troca
alegria de viver na festa primaveril da embriaguês dos sentidos
reino daquela paz no coração que se chama felicidade.