quinta-feira, 9 de abril de 2009

um pouco de Doroty






Desde o primeiro dia que cheguei na Chapada dos Veadeiros sinto vontade de escrever sobre ela. Iniciei varios textos mas todos pararam no lixo. A minha ideia era falar um pouco sobre essa mulher grandiosa, mas a força que ela traz consigo impediam qualquer reducionismo que minhas palavras certamente fariam. Gostaria eu de ser por um momento uma escritora para que talvez eu conseguisse traduzir com palavras o que essa mulher é e representa, mas essa característica me passa longe, e meus dizeres sempre expressarão menos. Não é exagero, só existe uma maneira de entender: conhecendo-a. O que vem abaixo são só algumas palavras bem aquém do que de fato eu gostaria.


Doroty Marques, descendente dos guaranis, “véia braba”, provocadora, ética, questionadora.


Com os longos cabelos brancos esvoacantes, passa todas as manhas pelas ruas de São Jorge com sua viola. Unhas compridas, voz rouca e grave, 63 anos, ariana.


Prêmio na UNESCO, prêmio Sharp, trabalho com crianças, arte, natureza e educação. CDs impecáveis: “Monjolear”, “Cantos da Mata Atlântica”, e outras obras gravadas com aqueles que fizeram parte de seu projeto, o “Turma que Faz”, que há anos corre cidades do país. Ensaia com mais de 70 criancas o próximo álbum que sera gravado em maio, aqui, na Chapada dos Veadeiros, em meio às cachoeiras, plantas e animais. Sim, ela vai montar um estúdio a céu aberto dentro do Parque Nacional.


“Véia da Lua”, levou 200 crianças, 100 da rua e 100 da favela, para morar com ela na Serra da Mantiqueira. Invadiu um banco, “com mais de 2 mil neguinho tocando tamor, porque eu invado é com arte, não com violência”, e fundou um centro de cultura numa cidade do interior do Mato-Grosso. Levou seu projeto pro Acre e precisou sair da terra de Xico Mendes pois fora ameaçada pelos mesmos que o assassinaram.


Fugir era rotina, desde pequena não parava mais de 3 meses em uma cidade, pai índio, curandeiro num período em que remédio de ervas era proibido e que teve ate a SIA em seu pé quando vendeu propositalmente a fórmula errada de um remédio para um banco em MG. Nessa fuga Doroty precisou atravessar a nado com o pai, a mãe e os dois irmãos menores o rio que divide o Brasil do Uruguai. Foi perseguida na década de 70 por enfrentar a ordem imposta pela ditadura. Lancou seu primeiro CD, o Semente, que questionava esse período político. Hoje não canta mais, o cigarro em excesso afetou as cordas de sua garganta.


Sua idéia é simples: ser como um beija-flor, que viaja rápido e é tão pequeno que o gavião não desperdiça seu mergulho, porque se ele sentir vontade e mergulhar o vôo sera certeiro.


Ter passado esses dias próxima a essa mulher foi um presente. Doroty Marques é forte, ética, coerente, guerreira, corajosa, características adormecidas na grande maioria das pessoas. Sao 63 anos vividos com muita intensidade, suas histórias sao incríveis e essas são as melhores horas em São Jorge.


Claro que também tem as cachoeiras!

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